Por Dr. Paolo Rubez Rocha

Ano de 1999, na cidade de Cleveland nos Estados Unidos da América, quando algumas pacientes do Dr. Bahman Guyuron, professor emérito de cirurgia plástica da Case Western University, relataram espontaneamente a ele que apresentaram melhora dos quadros de enxaqueca (migrânea) após serem submetidas à cirurgia estética de videoendoscopia para o terço superior da face.

Estes relatos o motivaram a pesquisar se este fenômeno era uma coincidência ou se de fato havia alguma associação. O primeiro trabalho que se seguiu foi um estudo retrospectivo com 249 pacientes operadas previamente para rejuvenescimento do terço superior da face. Destas pacientes, 39 apresentavam enxaqueca antes da cirurgia e 31 delas relataram eliminação completa ou melhora significativa (mais de 50%) de suas crises no pós-operatório.

A partir de então a equipe do Dr. Guyuron, com a participação de neurologistas, desenvolveu estudos prospectivos para comprovação da eficácia da cirurgia para o tratamento da enxaqueca. Com o seguimento das pesquisas, foram identificados, a partir da dúvida proveniente da clínica, diversos nervos sensitivos na região frontal, rinogênica, temporal e occipital que estariam relacionados ao desenvolvimento das crises de enxaqueca.

Dezenas de estudos em cadáver puderam identificar estes nervos sensitivos potencialmente envolvidos nos quadros de dor. Foram mapeados, ao longo de seus trajetos, pontos de compressão pelas estruturas anatômicas ao seu redor como músculos, fáscias, artérias e ossos que promovem a “irritação” dos nervos com a subsequente liberação de substância P e neurotransmissores que deflagram a cascata de eventos das crises de migrânea.

Com a identificação dos nervos envolvidos, Dr. Guyuron desenvolveu técnicas cirúrgicas específicas para o acesso e tratamento de cada um deles, com o objetivo de descomprimí-los ou realizar neurotomia. Hoje, existem 6 diferentes tipos de cirurgia, a depender de qual nervo está envolvido no quadro de dor dos pacientes, que podem ser :  nervos supra-orbital e supra-troclear, ramo aurículo-temporal do trigêmeo, ramo zigomático-temporal do trigêmeo, ramos terminais do trigêmeo para a mucosa nasal, nervo occipital menor, occipital maior e terceiro occipital.

A região frontal é tratada por via transpalpebral, com incisão semelhante à da blefaroplastia, ou por videoendoscopia. As regiões temporais são abordadas por incisões pequenas, em torno de 1,5 cm e alguns casos também podem ser feitas por vídeo. Os nervos occipitais são abordados por incisões diretas e que ficam no couro cabeludo. A migrânea de origem rinogênica é tratada por via endonasal. As cicatrizes ficam, portanto, pouco perceptíveis e as vias de acesso e manipulação das estruturas evidenciam a indicação do cirurgião plástico para os procedimentos.

Em 2005 Guyuron e sua equipe publicaram um estudo prospectivo com randomização entre um grupo tratado e um controle sem cirurgia, envolvendo no total 125 pacientes. Do grupo tratado 92% dos pacientes obtiveram sucesso com a cirurgia, sendo que 35% apresentaram eliminação completa dos quadros de enxaqueca. Nos trabalhos científicos sobre a cirurgia de enxaqueca o sucesso do procedimento é definido como uma melhora de no mínimo 50% na intensidade, duração e frequência das crises. Este mesmo grupo de pacientes foi acompanhado por 5 anos e, em nova publicação de 2011, comprovou-se a manutenção da melhora dos pacientes operados.

Figura 1. Abordagem dos nervos supra-troclear e supra-orbital.

Figura 2. Nervos Aurículo-Temporal e Zigomático-Temporal, ramos do Trigêmeo.

Figura 3. Nervo Occipital Maior e alguns pontos de compressão.

Um dos trabalhos mais importantes sobre a cirurgia de enxaqueca publicados até hoje é o ensaio clínico randomizado com cirurgia sham. Cirurgia sham corresponde ao procedimento em que o paciente sofre abordagem cirúrgica, porém, as estruturas não são tratadas. É o modelo ideal para se afastar o efeito placebo de um procedimento. Os pacientes neste estudo de Guyuron foram, portanto, randomizados em grupo tratado e um grupo controle de cirurgia sham. Ao final do seguimento de 1 ano, o grupo tratado obteve resultados muito superiores, com 57,1 % apresentando eliminação completa dos sintomas.

A cirurgia de enxaqueca é hoje realizada por diversos grupos de cirurgiões plásticos ao redor do mundo e em mais de uma dezena das principais universidades americanas, como Harvard. Os resultados positivos e semelhantes das publicações dos diferentes grupos comprovam a eficácia e a reprodutibilidade do tratamento. No Brasil, ela vem sendo realizada desde 2016 em São Paulo, com resultados positivos, e também dentro de protocolos de pesquisa na Disciplina de Cirurgia Plástica da  UNIFESP.

A principal indicação para os procedimentos são pacientes com migrânea crônica que não apresentam resultados positivos com os tratamentos clínicos. Parte dos pacientes pode não responder às medicações e parte deles, devido aos efeitos colaterais limitantes, não consegue manter o tratamento. Vale ressaltar que nenhuma das medicações hoje disponíveis para enxaqueca é específica para a doença, sendo utilizados como preventivos alguns anti-hipertensivos, anti-depressivos e anti-psicóticos, além da toxina botulínica.

A cirurgia de enxaqueca, através de todas as publicações científicas e expansão entre os cirurgiões plásticos ao redor do mundo, se mostra como alternativa eficaz para o tratamento deste grupo de pacientes e como importante área de atuação dentro da especialidade.

Fonte: Revista Plastiko’s, ed. 215 – Abr/Mai/Jun 2018

Dr. Paolo Rubez Rocha

Membro Titular
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

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