A frente da equipe de cirurgia plástica que participou da inédita e histórica cirurgia de separação de gêmeos siameses craniópagos no fim de outubro, o Dr. Jayme Adriano Farina Junior explicou como foi o processo e a importância da especialidade para que as operações obtivessem sucesso.

Após receber o contato do professor de neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Dr. Hélio Machado, explicando o caso das gêmeas siamesas craniópagas (nascidas unidas pelo topo do crânio) Maria Ysabelle e Maria Ysadora, o Dr. Farina começou a estudar os casos similares já conhecidos da medicina e como foram realizados esses procedimentos no mundo. “Ele pediu inclusive, que prestasse mais atenção no último caso separado pelo Dr. Goodrich que foi lá nos Estados Unidos, fazia um ano e meio”. James Goodrich é o neurocirurgião do The Children’s Hospital at Montefiore (Hospital Infantil de Montefiore, em Nova Iorque (EUA), amigo de Hélio Machado e que já operou casos semelhantes.

Ele conta que, além de estudos de casos, conversou com o cirurgião plástico da equipe do Dr. Goodrich para só depois começar os preparativos para iniciar o processo de separação: “E então nós começamos a planejar tudo isso com uma equipe multiprofissional, multidisciplinar, interdisciplinar e os planejamentos foram ficando cada vez mais elaborados. Até que resolvermos fazer a primeira cirurgia”.

A primeira cirurgia foi no dia 19 de fevereiro deste ano e envolveu a equipe de neurocirurgia e cirurgia plástica, composta pelos Drs. Jayme Farina Jr, Pedro Coltro, Marcelo Félix, Carlos Fagotti e, ainda, médicos residentes da especialidade, que trabalharam em conjunto com uma equipe multidisciplinar composta por cerca de 40 profissionais, entre neurocirurgiões, radiologistas, anestesistas, pediatras, intensivistas , fisiatras, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, profissionais da física médica  e dentistas. Tudo foi calculado em detalhes. O Dr. Farina explicou que antes da cirurgia, foi feito um planejamento com modelos tridimensionais feitos pelo pessoal da física médica do campus da FMRP-USP.

“Nessa primeira cirurgia foi feita uma janela de osso, frontal, a cirurgia plástica entrou primeiro, nós sempre entrávamos primeiro, fazíamos a abertura, a neurocirurgia fazia a ligadura dos vasos no cérebro e depois fechávamos”, explica o cirurgião plástico. “Foi feita a retirada de parte do osso e uma ligadura dos vasos sanguíneos em cerca de 25% do total dos vasos ligados. Fizemos uma incisão parcial, para que não houvesse muito sangramento. Em todas as etapas, nós abrimos parte só o suficiente para a neurocirurgia poder operar”.

Passados três meses da primeira cirurgia, após o êxito do procedimento, foi realizada a segunda cirurgia para continuar o que havia sido começado na primeira cirurgia. “no dia 9 de maio, fizemos a mesma coisa, mas, abrimos em outro setor das cabeças dando continuidade com a incisão anterior que nós tínhamos feito, e, mais um quarto do cérebro teve os seus vasos ligados”. No dia 04 de agosto, aconteceu a terceira cirurgia, similar entre as duas anteriores, também bons resultados.

A quarta cirurgia aconteceu vinte dias depois. “Foi no dia 24 de agosto e somente a cirurgia plástica operou.  Nós colocamos quatro expansores de pele: dois de 300ml e dois de 100ml. Foram dois da marca Silimed e dois da marca Eurosilicone, foram doados. A maioria das tecnologias usadas nessas meninas foram doadas”, diz o Dr. Farina. A expansão de tecido permite ao corpo “criar” pele extra para o uso na reconstrução em quase todas as partes do corpo. Neste caso, a pele seria usada para cobrir as cabeças das irmãs após a separação total, que na última cirurgia.

Em 27 de outubro, com grande expectativa de toda a equipe de mais de 40 médicos, foi realizada a quinta e última cirurgia, que contou com a vinda dos norte-americanos James Goodrich e o cirurgião plástico craniofacial de sua equipe, Oren Tepper, do Hospital Infantil de Montefiore, de Nova Iorque.   Desta vez, a cirurgia que já era complexa, trouxe novos desafios, como explica o Dr. Farina: “reabrimos a parte da incisão, a neurocirurgia ressecou uma grande quantidade de osso e nos entregou.  Tínhamos uma sala paralela onde nós, cirurgiões plásticos, trabalhávamos concomitantemente. Contamos com a participação do Dr. Oren Tepper, que nos deu uma ajuda muito grande. Enquanto a neurocirurgia desligava os vasos sanguíneos restantes, que era, vamos dizer assim, o último quarto de vasos sanguíneos, os últimos 25% que ainda estavam ligados, nós na sala ao lado, fazíamos a separação dos ossos que eles vinham nos entregando”.

Os ossos eram divididos para que de um osso virassem dois com a mesma superfície. “Um osso era dividido como se pegasse uma placa e a dividisse no meio no sentido de que duas placas ficassem com a mesma superfície: mais fina, mas com a mesma superfície. Para que? Para que o osso fosse para cada criança no final e fechasse o topo do crânio das meninas”, relembra o especialista. Foram mais de seis horas dividindo os ossos, enquanto elas iam sendo operadas na outra sala. “Depois essas meninas foram viradas, na última etapa, nós entramos novamente, fizemos a abertura do que restava dos retalhos de pele e recebemos o restante de todo osso e, novamente nós fomos para a sala ao lado fazer essas divisões dos ossos e já começamos também a unir esses ossos. Estávamos em uma sala vazia onde vários cirurgiões plásticos, com a ajuda de alguns colegas, também da neurocirurgia, se eu não me engano, residentes da neurocirurgia, nos ajudaram a fazer a fusão dos ossos. E nós fazíamos isso com placas absorvíveis de osteossíntese”, relembra o Dr. Farina.

O médico descreve que eles montaram uma espécie de abóbada, um mosaico de ossos. Depois de realizada essa montagem óssea, eles ficaram esperando a separação final das cabeças, ocorrida às 21h10 do sábado 27 de outubro. “O que aconteceu então? As meninas foram separadas. Elas estavam em duas mesas cirúrgicas: uma acoplada a outra.  Após a separação, uma mesa foi para um lado da sala e a outra mesa foi para. Após os neurocirurgiões fecharam as meninges de cada menina (uma membrana que cobre o cérebro), nós trouxemos da sala ao lado aquelas abóbadas cranianas que nós tínhamos pré-moldado, tampamos o topo das cabeças das meninas, utilizando uma cola de fibrina”. A cola de fibrina é um selante natural feito do plasma, componente sanguíneo e que não oferece contraindicação.

Depois de fechar o topo das cabeças das irmãs com os ossos, foram colocados os retalhos de pele, finalizando a cirurgia. No total, foram 21 horas de cirurgia. “Elas estão agora se recuperando na terapia intensiva, têm evoluído bem, recuperando a motricidade a cada dia. Claro, que tem pequenos procedimentos que ainda faltam ser realizados, ainda falta, por exemplo, fazer uma enxertia de pele na região da nuca da Ysabelle. A Ysadora teve pele suficiente para fechar tudo”, comemora o Dr. Farina.

Ao ser questionado sobre a satisfação de participar deste tipo de cirurgia, com resultados positivos, ele analisa que essa é a essência da cirurgia plástica: salvar vidas. “Neste caso, se não tivesse havido a intervenção conjunta da cirurgia plástica com a neurocirurgia, não teria como ter fechado a ferida complexa que era a exposição do cérebro das duas meninas. Elas não teriam como sobreviver. Poderia ter havido a separação, mas, sem o fechamento da ferida complexa, não teria havido sobrevida”.

Dr. Jayme Farina, que é Professor Doutor do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP, Chefe da Divisão de Cirurgia Plástica do HCFMRP-USP, Diretor da Unidade de Queimados do HCFMRP-USP e Coordenador do Setor de Microcirurgia Reconstrutiva da Divisão de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da FMRP-USP, ressalta esse papel da cirurgia plástica salvadora de vidas, também. “Geralmente a mídia aborda a cirurgia plástica somente no lado da estética. Agora, no serviço universitário, a gente vive uma outra realidade. A gente vive uma realidade da cirurgia plástica salvadora de vidas, aquela que salva amputações, aquela cirurgia que reconstitui anomalias congênitas, faz reparações, além de cirurgia estética, que, no nosso caso, também fazemos cirurgia estética para ensinar aos residentes”, enfatiza o professor. “As cirurgias dos queimados, por exemplo, é uma cirurgia que a [cirurgia] plástica faz para para reparar tecidos específicos, e, com isso, salvar vidas”, conclui.

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