Em busca de cirurgias plásticas mais baratas, mulheres se arriscam viajando à Venezuela, Bolívia e Paraguai para serem operadas, mas têm de lidar sozinhas com complicações

Por Lucilene Oliveira

Uma excursão. Trinta mulheres. Mil e seiscentos quilômetros percorridos. Esses números até poderiam representar uma viagem de férias para algum lugar paradisíaco de nossos países vizinhos. Porém os dados que abrem esta reportagem são de mulheres do norte do Brasil que, há cerca de três anos, saíam de Manaus (AM) em ônibus fretados, geralmente com destino a Puerto Ordaz, na Venezuela, para se submeter a cirurgias plásticas sem aparato clínico e capacitação ideais a custos insustentáveis se comparadas aos valores praticados por especialistas brasileiros sob a chancela da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). O grande problema é que não foram raras as vezes em que essa foi uma viagem sem volta. A instabilidade do país governado por Nicolás Maduro fez com que a procura por turismo médico tenha diminuído, mas não cessado integralmente.

A Regional Amazonas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica denuncia que ainda hoje mulheres se aventuram em uma viagem de quase 24 horas com um único objetivo: realizar cirurgias estéticas por preços até quatro vezes menores do que o praticado por especialistas brasileiros.

Os relatos são de que procedimentos cotados no Brasil por R$ 20 mil, por exemplo, cheguem a custar o equivalente a R$ 5 mil no país vizinho. A situação, que teve seu auge em 2015 e 2016 graças ao bom momento econômico do Brasil e à valorização do real, foi tão crítica no Amazonas que levou a SBCP a fazer diligências para frear o avanço dos chamados agenciadores, responsáveis por fazer a conexão de mulheres com médicos venezuelanos, e também evitar que esses profissionais exerçam a medicina em território nacional em situações precárias, como em salões de beleza, clínicas de estética ou até consultórios de fisioterapia.

“O que acontecia e acontece até hoje, mas em menor volume, é que tinha um esquema, uma rede montada, na qual blogueiras, donas de salão de beleza da cidade de Manaus e fisioterapeutas envolvidas com estética começavam a recrutar e fazer propaganda de cirurgiões plásticos venezuelanos na internet, no Facebook, Instagram e redes em geral para organizar as caravanas”, explica o presidente da Regional do Amazonas da SBCP, Jose Renato Barbieri Gallo. O ato de um brasileiro optar por fazer uma cirurgia estética no exterior por si só não é caracterizado como qualquer tipo de crime, uma vez que cabe ao paciente pesquisar sobre o especialista que realizará o atendimento e se ele possui registro no Conselho de Medicina do país vigente. O que é condenado pelos especialistas brasileiros é a baixa qualidade dos trabalhos realizados nas fronteiras e a deficiência na rotina pré e pós-operatória, resultando em cicatrizes em locais inadequados, quadros graves de complicações e resultados diferentes do idealizado.

“As mulheres faziam a cirurgia e ficavam no hotel por um curto período de tempo, e lá eram cuidadas por uma técnica de enfermagem ou alguém da equipe do tal médico que as operava. Depois desse período, elas regressavam a Manaus, em média uma semana ou 15 dias depois. Quem não tinha dinheiro para voltar de avião enfrentava horas em uma viagem de ônibus”, afirma Gallo, criticando a precariedade do pós-operatório.

Procedimentos são realizadas em quartos improvisados nos países vizinhos, sem o suporte de um centro cirúrgico

Em outro extremo do país, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o cenário se repete: mulheres viajam à Bolívia e ao Paraguai em busca da tão sonhada aparência ideal, mas não é preciso muito para que o sonho se torne um pesadelo. Presidente da Regional Mato Grosso do Sul da SBCP, Daniel Nunes e Silva evita fazer críticas aos profissionais que realizam os procedimentos nos dois países vizinhos, mas é enfático ao afirmar que a negligência com o pós-operatório e o uso de materiais com baixa qualidade são os principais impulsionadores de complicações.

“Cirurgia plástica é muito delicada. Você está lidando com muitos fatores que podem comprometer e prejudicar, ou potencializar uma complicação. Muitas vezes, uma leve infecção ou uma pequena borda de necrose em uma mama, por exemplo, se não tratada levará a uma sequela irreparável”, afirma Silva. Compartilhando da opinião do colega, o presidente da Regional Mato Grosso da SBCP, Jubert Sanches, destaca que, a fim de minar as mais remotas possibilidades de intercorrências após a realização do procedimento, é comum que o acompanhamento da paciente persista por três a seis meses após a intervenção cirúrgica.

Assim como utilizar materiais de boa qualidade e realizar o procedimento em um centro cirúrgico que ofereça estrutura para conferir segurança à intervenção, o pós-operatório possui o mesmo peso para uma cirurgia plástica bem-sucedida. Silva afirma que o acompanhamento é tão importante que ele, ao operar pacientes de outros estados que não o seu de origem, cujo pós-operatório não poderá acompanhar de perto, liga pessoalmente para um colega cirurgião de sua confiança da cidade de origem da paciente e pede para que ele realize a retirada dos pontos e curativos.

“Isso a gente já não vê quando acontece fora do Brasil. Já atendi várias pacientes com intercorrências vindas de lá e muitas vezes a paciente não sabia o nome do médico ou tinha vergonha de dizer, relutava muito em falar que operou fora do Brasil, e não havia esse contato e cirurgião para cirurgião”, destaca. Assim como no Amazonas, as complicações cirúrgicas batem à porta nos consultórios brasileiros, e o receio de se responsabilizar por intervenções malsucedidas, uma vez que essas mulheres chegam às clínicas brasileiras sem histórico da cirurgia, levou os profissionais de ambos os estados a se negar a atender essas mulheres e orientá-las a buscar auxílio no Sistema Único de Saúde.

“De modo geral, a gente não sabe o que foi feito na cirurgia e a responsabilidade de um profissional sul-mato-grossense é grande porque você acaba se responsabilizando pela complicação que isso pode gerar”, salienta Silva.

PREÇOS COMPETITIVOS

Com a popularização da cirurgia plástica no Brasil, os preços também ficaram competitivos com os praticados em outros países da América Latina, com a diferença de que, nesses locais, o valor do imposto é suprimido. Ao colocar na balança os custos de refinamento das cirurgias, comumente realizado pelas pacientes insatisfeitas com o resultado, o valor total investido em uma cirurgia nesses países e no Brasil são bem similares. “Em busca do refinamento, a mulher paga por novas consultas com o cirurgião plástico e muitas vezes até se submete a pequenas cirurgias de correção, o que causa arrependimento e vergonha”, destaca Silva.

De acordo com Jubert Sanches, trata-se de uma ilusão a opção por cirurgias em um país da fronteira, achando que será economizado um valor significativo com os custos da operação. Ele chama a atenção para o fato de a cirurgia não se resumir apenas a algumas horas no centro cirúrgico, mas que possui quatro pilares de relevância similar. O procedimento começa na consulta, passa pelo pré-operatório, chega à cirurgia em si e finaliza com o acompanhamento pós-operatório. “Uma paciente chega lá e o médico muitas vezes nunca a viu, o primeiro encontro é só na sala de cirurgia, faz o procedimento e no dia seguinte a coloca no ônibus e manda embora, ou seja, ele está fazendo um terço do procedimento”, finaliza o cirurgião.

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