Atuar no mercado privado da medicina, não é mais o seu “próximo passo na carreira”, simplesmente.

Por Daniel Coriolano

Embora muitos queiram passar esta sensação de glamour, a realidade não usa maquiagem nem filtros do Instagram. Ir para o âmbito privado é falta de oferta no setor público, em algumas situações, e ponto. Outro motivo que empurra colegas para o setor privado, é a existência de consultas ou procedimentos não contemplados na lista da Agência Nacional de Saúde (ANS) e, portanto, teoricamente, geradores de honorários mais significativos, como questões estéticas, por exemplos.

As ofertas por plantões fixos, atendimentos ambulatoriais ou quaisquer outros serviços médicos em organizações do setor público, não são mais tão disponíveis assim e nem tão pouco, proporcionam honorários vultosos like in the old days.

A depender da região, já há disputas intensas por escalas de plantões, serviços ambulatoriais já totalmente preenchidos e, limitações salariais que impulsionam colegas a tomarem outras condutas de carreira e, partir para o sistema suplementar de saúde é uma delas.

Estamos falando de 500.000 médicos com registros ativos, 2,38 profissionais por mil habitantes no Brasil, apesar das discrepâncias regionais, segundo o estudo Demografia Médica 2020, realizado pelo Conselho Federal de Medicina. Sem falar na influência dos Mercados Globais, revelada por profissionais de outros países prestes a iniciar suas atividades por aqui.

“O Mercado Global é resultado de uma economia de mercado que propõe a livre iniciativa e o livre comércio de bens ou serviços, além é claro da própria globalização, que produz a diminuição de fronteiras/barreiras entre os países.”

Além de estrangeiros que por motivos diversos querem morar no Brasil e exercer a medicina, são 15 mil médicos brasileiros formados no exterior que aguardam retorno do Revalida, segundo matéria veiculada pelo Correio Brasiliense em julho de 2020. Certo ou errado? Não é este o ponto do meu artigo. Destaco algo simples: esta é a lei, irmão. A lei do mercado. E ela não costuma falhar. Menos oferta de trabalho, menores honorários, mais dificuldade para angariar clientes/pacientes.

“A lei da oferta e da demanda foi criada na época da economia clássica por Adam Smith. É a relação entre a determinação do preço de um produto com sua oferta e demanda no mercado econômico. A oferta refere-se à quantidade de um determinado bem, serviço ou produto que está disponível para venda por parte de uma empresa.”

Diante da realidade e com o mercado médico mais acirrado, é justo e até esperado recorrer a ferramentas de exposição de mercado para aumentar o alcance da nossa mensagem, qualificar audiência para nosso contexto de especialidade e aumentar as chances de conversão de seguidores para pacientes para o consultório. Este é o descritivo de um método utilizado em marketing e vendas chamado “funil de vendas” ou para nosso contexto de saúde, “funil de relacionamento”. Com essa nomenclatura, nos afastamos da possibilidade de entender a medicina como comercio, ainda que apenas em termos linguísticos.

Até aqui tudo bem.

É plausível utilizar a publicidade para expor a competência médica no mercado de trabalho. Dentro dos ditames éticos e em consonância com as resoluções do CFM, é possível utilizar o marketing na medicina.

Diante da realidade de mercado e tomado pela necessidade de atuar no setor privado, algo novo, nunca falado em livros de semiologia na graduação e nem tão pouco comentado durante nossa residência médica, acontece: o início da importante relação, MÉDICO-SEGUIDOR, muito antes da relação médico-paciente, tradicionalmente comentada pelo grande Porto. Este novo relacionamento é relevante quando se olha sobre as relações pessoais hoje em dia, as tecnologias digitais de informação e comunicação e a medicina não está fora disso.

Iniciar um perfil nas redes sociais digitais, sobretudo no Instagram ou TikTok, parece ser imprescindível. Estratégias de outbound, ativações de canais de fluxo de pacientes por meio networking com colegas e outros profissionais de saúde e zelo na assistência dos pacientes atuais para que eles também possam gerar influência na atração de novos públicos, por meio de sua rede de contatos, não são comportamentos tão lembrados assim pelos noviços no âmbito privado.

O inbound, atração e conquista de paciente a partir do público que já conhece o profissional, é o que desponta nas mentes dos colegas e é por isso que vemos hoje uma explosão de arrobas (@) produzindo conteúdos de saúde para alcançar melhor posicionamento de mercado e conquistar pacientes.

Neste funil de relacionamento médico com seguidores, um dano pode acontecer. Ao invés de entender a rede social como espaço para construção de um branding forte com exposição de seus valores rígidos e respeito aos conselhos éticos, muitos cedem e cometem tropeços nas redes sociais virtuais ao implementar ações exageradas de topo de funil, cujo objetivo é alcance de público.

Para atrair a atenção das pessoas e ganhar seguidores, algumas táticas são recorrentes; utilizar humor, pets, compartilhamentos de hobbies e outras atividades de cunho pessoal, são recorrentes. Elas não são proibidas, mas reúnem fatores de risco para ocorrência de deslizes, haja vista que, nas redes sociais, tudo é conteúdo publicitário. A foto simples no horário do almoço, nos stories, o seu receituário e carimbo sobre a mesa, o bumerangue do final de semana na praia e os Reels destacando as marcas que a máscara N95 deixou sobre sua região maxilar, após horas de plantão na linha de frente contra a COVID-19. Tudo informa, tudo comunica.

Ao perceber os resultados com conteúdos de topo de funil, altamente replicáveis e virais, bate o desejo de repetir atitudes, e assim acontece. Se dançar diante das três câmeras do iPhone gera 30 novos seguidores e dois novos pacientes, então por que não fazer outra dança? Se postar peças cirúrgicas gera tanta comoção, por que não, além de postar a peça, eu não danço com ela nas mãos? Ahhh isto é uma soma explosiva! É genial! Vou ganhar muitos seguidores e pacientes!

O golpe mental tá aí, cai quem quer. Com o chapéu de “produtor de conteúdos digitais” sobre a cabeça, temos a chance de passar a morar em uma bolha que normaliza atitudes. Com o passar do tempo os absurdos que passam no seu feed, passam a ser classificados de apenas conteúdos inofensivos, cotidianos, como quaisquer outros posts sem relevância. Então em um certo dia… BOOMMMM! Você se vê refém da produção de conteúdos que tem por objetivo, apenas chamar atenção, compromete relacionamento conjugal, com filho e familiares, além de abalar sua carreira médica.

Há uma linha tênue que separa médicos que contribuem para a sociedade através de conteúdos relacionados a educação em saúde por meio digitais, e que conseguem atrair dignamente pacientes, daqueles que estão na busca desenfreada por aprovação social, likes e pacientes a todo custo.

Afinal, somos médicos ou reféns das redes?

Fonte : Medium – Daniel Coriolano – https://danielcoriolano.medium.com/médicos-ou-ref-das-redes-sociais-73ca1feb5362

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