Professora Titular Emérita da UFRJ, a Dra. Talita recorda sua trajetória e fala sobre a evolução da prática e aumento do número de mulheres na especialidade

Por MADSON DE MORAES

A Dra. Talita Romero Franco entrou para a faculdade de medicina querendo ser psicanalista e saiu cirurgiã plástica. Por isso, conversar com ela é entrar em contato com uma pensadora de ideias provocadoras e mente aguçada.

Mas até hoje aquela futura psicanalista mora nas reflexões que faz sobre a cirurgia plástica. “É quase uma psicanálise cirúrgica porque trabalhamos o tempo todo com a emoção das pessoas”, diz Talita, natural do Rio de Janeiro e nascida em uma família que, desde o século 19, é formada por médicos.

Sua avó paterna, aliás, foi uma das primeiras médicas formadas do Brasil. No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, onde trabalhou desde a sua fundação em 1979 até se aposentar em 2011, ela foi chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do hospital universitário por 17 anos e a responsável pela criação da disciplina eletiva de Intro dução à Cirurgia Plástica, além da coordenação da Residência Médica na área.

Especialista em cirurgias reparadoras e, sobretudo, em cirurgias de malformações congênitas, a atual professora titular emérita da UFRJ, de 80 anos, detalha seu interesse pela especialidade, fala do convívio com o Prof. Pitanguy, lembra-se da discriminação que as médicas e cirurgiãs sofriam no passado e comenta a evolução da cirurgia plástica nas últimas décadas.

Você entrou na faculdade com o propósito de ser psicanalista e saiu médica. O que a fez mudar de ideia?

Entrei na Medicina pensando em ser psicanalista, mas logo comecei a ajudar meu pai em suas cirurgias particulares. Além disso, no segundo ano, comecei a namorar aquele que se tornaria meu marido, também cirurgião. Assim, fui me interessando pela área. Não é por acaso que se escolhe uma especialidade. Percebi que me sinto melhor como protagonista do que como observadora. Portanto, não seria uma boa psicanalista. A cirurgia plástica é como se fosse uma psicanálise cirúrgica porque trabalhamos o tempo todo com a emoção das pessoas e o que podemos oferecer de resultado concreto. É uma psicanálise quase prática. Quando optei pela cirurgia, me interessei por Cabeça e Pescoço, pelo fato de ser muito anatômica. Mas meu pai interferiu, sugerindo a Cirurgia Plástica, “uma cirurgia alegre, que traz felicidade no lugar de sofrimento”. Fui apresentada, então, ao Serviço do Prof. Ivo Pitanguy, onde fiz minha especialização numa das primeiras turmas organizadas por ele, de 1965 a 1967.

Como foi o aprendizado e o convívio com o mestre?

A residência na especialidade com o Prof. Pitanguy durou três anos, mas continuei no Serviço por mais uns 10 anos. Tenho 12 trabalhos publicados com ele. Foi um período longo de convívio. Ele era muito exigente, mas também espirituoso e humano com os pacientes. Fui presidente da AEXPI, associação de seus ex-alunos, e fiz até um encontro em Itaparica, marcante porque fugia da rigidez tradicional de um congresso, com os palestrantes de bermuda e trajes de banho. Depois, mantive o contato com ele, mas um pouco mais afastada, por ter sido admitida em 1979 no recém-inaugurado Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, onde fui chefe do Serviço de Cirurgia Plástica por 17 anos. Lá criei a disciplina eletiva de Introdução à Cirurgia Plástica e a residência médica na área.

Como era atuar como médica e cirurgiã plástica na época em que você começou?

Sou de uma época em que mulheres médicas eram poucas e cirurgiãs causavam espanto. Quando comecei a trabalhar, o centro cirúrgico dos hospitais não tinha vestiário para mulheres: trocávamos a roupa em locais improvisados ou precisávamos “pedir licença” na sala dos médicos. Havia ainda, na década de 1960, preconceito com a própria cirurgia plástica. Os outros cirurgiões a encaravam como algo menor e com foco primordialmente em satisfazer a vaidade das mulheres. Estava se desvencilhando da cirurgia geral e tentava assumir uma alma própria. Foram necessárias diversas guerras para se perceber a real importância de nossa especialidade.

Sua avó paterna, Judith Adelaide Maurity Santos, foi uma das primeiras médicas do Brasil. O que isso representou para a sua trajetória?

Cresci acompanhada pela história dessa avó, formada em 1900, a primeira do Rio de Janeiro e a sexta do Brasil. Convivi com ela até meus 12 anos. É certo que isso teve grande influência em minha percepção da capacidade das mulheres e no desejo de seguir seus passos nessa família, cheia de médicos desde a metade do século 19.

Como você avalia atual mente a formação dos cirurgiões plásticos? A cirurgia estética ainda se sobrepõe à reconstrutora?

Não é que haja mais ênfase na cirurgia estética. Alguns serviços não apresentam um volume grande de cirurgia reparadora ou não possuem estrutura hospitalar e pessoal docente habilitado para procedimentos mais complexos. A cirurgia estética temmaior demanda e é de execução barata e pacientes não faltam. Por outro lado, é, sem sombra de dúvida, uma área que dá grande retorno financeiro, o que faz com que muitos se interessem prioritariamente por ela. É algo triste porque, para fazer uma boa cirurgia estética, é preciso aprender uma boa reparadora, que é a base de tudo. Ela é que nos dá lastro e emoção.

Levou um tempo até a sociedade aceitar a cirurgia estética?

Para ser difundida e aceita, a cirurgia estética precisava de divulgação, mas a propaganda em jornal era considerada um escândalo. Cito um fato engraçado. Houve um colega médico que estudou na Europa e voltou querendo fazer estética. Abriu um consultório na Avenida Rio Branco, aqui no Rio, e fez uma propaganda enorme em jornais. Na mesma via, havia um teatro em que o ator Procópio Ferreira fazia uma peça chamada “Um maluco da avenida”. O médico ganhou esse apelido, mas conseguiu seu objetivo. As mulheres se interessaram logo e as próprias pacientes faziam propaganda. Levou um tempo até a cirurgia estética ser amplamente aceita, com a inestimável contribuição do Prof. Pitanguy.

Você viu a cirurgia plástica se consolidar. O que mais mudou de lá para cá?

A evolução foi extraordinária. O conhecimento anatômico direcionado, a tecnologia, o instrumental, a aparelhagem, as substâncias, as próteses, a imunologia, tudo mudou ou foi aperfeiçoado. Os últimos 60 anos têm sido formidáveis! Houve ainda a percepção de sua enorme abrangência e de sua atuação em todas as áreas do corpo e da mente.

Você foi uma das grandes especialistas em reparadoras e, sobretudo, em cirurgias de malformações congênitas. Por que o interesse nessa área?

Antes dos métodos de imagem em obstetrícia, a gestação era um período de alegria e medo. O diagnóstico das malformações era feito no pós-parto e, muitas vezes, pegava as famílias de surpresa. O sorriso fissurado de uma criança sempre me comoveu por ser uma alegria inocente de quem ainda não sabia o que viria pela frente. A cirurgia de reconstrução de orelha também me parece mágica, com seus tecidos frágeis e raros, os cuidados e sustos e, em certos momentos, saber que não há um plano B, tem que dar certo. No hospital universitário da UFRJ, dispomos de um setor sobre as malformações, em especial as de face. Tenho a satisfação de compartilhar esse amor pela cirurgia reparadora, sobretudo as de malformações congênitas, com meu filho Diogo Franco, que continua os trabalhos no hospital universitário desde a minha aposentadoria.

Leia a entrevista completa na edição 229 da Plastiko’s

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